A Constituição de um Estado de Direito é um documento político-jurídico que define as regras e os princípios que regem a vida social e as relações jurídicas públicas e privadas do país. Sendo, desse modo, a lei fundamental de um Estado de Direito, a Constituição engloba – nas matérias que necessariamente deve tratar: a forma de Estado, a forma e o sistema de governo –, as competências legislativas e administrativas, um sistema de garantias da liberdade, com a previsão dos direitos fundamentais tutelados pelo Estado, os princípios econômicos e os valores sociais mais caros à sociedade a que se aplica. Sua principal característica é ser a lei de maior hierarquia no Estado. Portanto, suas normas (regras e princípios) prevalecem sobre todas as outras existentes no seu âmbito de atuação. 

A principal conseqüência é que as outras normas produzidas devem ser compatíveis com ela na forma prevista para sua elaboração (constitucionalidade formal, que engloba tanto o procedimento para elaboração, aprovação e vigência de uma lei quanto a competência de quem realiza esse procedimento) e em seu conteúdo (constitucionalidade material).

Uma lei, qualquer que seja sua hierarquia, órgão de origem e finalidade ou motivação, deve ser compatível com o que determina o texto constitucional – lei superior que é em um ordenamento jurídico –, prevalecendo sobre todas as outras nele vigentes (válidas).

Uma garantia que se tem de que as normas constitucionais serão respeitadas e de que serão alteradas somente quando isso for realmente necessário – para adequação da norma ao estado social atual – é a previsão na própria Constituição de um processo mais complexo e dificultoso de modificação de seu texto. Assim, uma emenda constitucional é aprovada em procedimento bastante mais complexo do que o necessário para aprovação de uma lei ordinária, por exemplo.

Outra garantia é a de que as cláusulas pétreas, ou seja, aquelas cláusulas que não podem sofrer reforma tendente a sua exclusão ou restrição na constituição, não serão atingidas por emenda constitucional. A emenda constitucional que venha a ferir cláusula pétrea explícita ou implícita, reduzindo-lhe o alcance ou retirando-a do texto constitucional, é inconstitucional. Isso porque uma norma constitucional derivada, decorrente do poder constituinte derivado (que é de reforma, exercido pelo congresso nacional) pode ser inconstitucional diante de uma norma constitucional originária. 

Mesmo os princípios que informam as cláusulas pétreas orientam a análise da constitucionalidade ou não de uma proposta de emenda constitucional:

ADI 3685 / DF – DISTRITO FEDERAL 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE

Julgamento:  22/03/2006           Órgão Julgador:  Tribunal Pleno

Parte(s)

REQTE.(S) : CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL

ADV.(A/S) : ROBERTO ANTONIO BUSATO

REQDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL

Ementa 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 2º DA EC 52, DE 08.03.06. APLICAÇÃO IMEDIATA DA NOVA REGRA SOBRE COLIGAÇÕES PARTIDÁRIAS ELEITORAIS, INTRODUZIDA NO TEXTO DO ART. 17, § 1º, DA CF. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DA LEI ELEITORAL (CF, ART. 16) E ÀS GARANTIAS INDIVIDUAIS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (CF, ART. 5º, CAPUT, E LIV). LIMITES MATERIAIS À ATIVIDADE DO LEGISLADOR CONSTITUINTE REFORMADOR. ARTS. 60, § 4º, IV, E 5º, § 2º, DA CF. 1. Preliminar quanto à deficiência na fundamentação do pedido formulado afastada, tendo em vista a sucinta porém suficiente demonstração da tese de violação constitucional na inicial deduzida em juízo. 2. A inovação trazida pela EC 52/06 conferiu status constitucional à matéria até então integralmente regulamentada por legislação ordinária federal, provocando, assim, a perda da validade de qualquer restrição à plena autonomia das coligações partidárias no plano federal, estadual, distrital e municipal. 3. Todavia, a utilização da nova regra às eleições gerais que se realizarão a menos de sete meses colide com o princípio da anterioridade eleitoral, disposto no art. 16 da CF, que busca evitar a utilização abusiva ou casuística do processo legislativo como instrumento de manipulação e de deformação do processo eleitoral (ADI 354, rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 12.02.93). 4. Enquanto o art. 150, III, b, da CF encerra garantia individual do contribuinte (ADI 939, rel. Min. Sydney Sanches, DJ 18.03.94), o art. 16 representa garantia individual do cidadão-eleitor, detentor originário do poder exercido pelos representantes eleitos e "a quem assiste o direito de receber, do Estado, o necessário grau de segurança e de certeza jurídicas contra alterações abruptas das regras inerentes à disputa eleitoral" (ADI 3.345, rel. Min. Celso de Mello). 5. Além de o referido princípio conter, em si mesmo, elementos que o caracterizam como uma garantia fundamental oponível até mesmo à atividade do legislador constituinte derivado, nos termos dos arts. 5º, § 2º, e 60, § 4º, IV, a burla ao que contido no art. 16 ainda afronta os direitos individuais da segurança jurídica (CF, art. 5º, caput) e do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV). 6. A modificação no texto do art. 16 pela EC 4/93 em nada alterou seu conteúdo principiológico fundamental. Tratou-se de mero aperfeiçoamento técnico levado a efeito para facilitar a regulamentação do processo eleitoral. 7. Pedido que se julga procedente para dar interpretação conforme no sentido de que a inovação trazida no art. 1º da EC 52/06 somente seja aplicada após decorrido um ano da data de sua vigência.

Por outro lado, também as cláusulas pétreas estão sujeitas a interpretação da Corte Constitucional, com o fim de manter sua atualidade, adequando-a ao momento presente. 

A idéia de uma assembléia constituinte convocada para uma reforma constitucional é incompatível com a teoria constitucional, e com a garantia de imutabilidade de certas cláusulas constitucionais, na medida em que esta assembléia seria investida de poder constituinte originário, capaz de propor nova ordem constitucional, e autorizado a invadir o espaço hoje reservado às cláusulas pétreas. 

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